sábado, 24 de janeiro de 2009

Carta de Amor*

7 de Julho


Bom dia! Todavia, na cama se multiplicam os meus pensamentos em ti, minha amada imortal; tão alegres como tristes, esperando ver se o destino quer ouvir-nos. Viver sozinho é-me possível, ou inteiramente contigo, ou completamente sem ti. Quero ir bem longe até que possa voar para os teus braços e sentir-me num lugar que seja só nosso, podendo enviar a minha alma ao reino dos espíritos envolta contigo. Tu concordarás comigo, tanto mais que conheces a minha fidelidade, e que nunca nenhuma outra possuirá meu coração; nunca, nunca… Oh, Deus! Por que viver separados, quando se ama assim?

Minha vida, o mesmo aqui que em Viena: sentindo-me só, angustiado. Tu, amor, tens-me feito ao mesmo tempo o ser mais feliz e o mais infeliz. Há muito tempo que preciso de uma certeza na minha vida. Não seria uma definição quanto ao nosso relacionamento?… Anjo, acabo de saber que o correio sai todos os dias. E isso me faz pensar que tu receberás a carta em seguida.

Fica tranquila. Contemplando com confiança a nossa vida alcançaremos o nosso objectivo de vivermos juntos. Fica tranquila, queiras-me. Hoje e sempre, quanta ansiedade e quantas lágrimas pensando em ti… em ti… em ti, minha vida… meu tudo! Adeus… queiras-me sempre! Não duvides jamais do fiel coração de teu enamorado Ludwig.


Eternamente teu, eternamente minha, eternamente nossos.

Ludwig van Beethoven

Mar e Lua*

Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar

Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar
E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepio
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Rolando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar

Chico Buaque

Pois é...*

Pois é!
Fica o dito e o redito
Por não dito
E é difícil dizer
Que foi bonito
É inútil cantar
O que perdi...

Taí!
Nosso mais-que-perfeito
Está desfeito
O que me parecia
Tão direito
Caiu desse jeito
Sem perdão...

Então!
Disfarçar minha dor
Eu não consigo dizer:
Somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim...

Enfim!
Hoje na solidão
Ainda custo
A entender como o amor
Foi tão injusto
Prá quem só lhe foi
Dedicação
Pois é!

Taí!
Nosso mais-que-perfeito
Está desfeito...

Chico Buarque

Água-Viva

Para Joanne, pelo carinho que não abandona.

"Há muita coisa a dizer que não sei como dizer. Faltam as palavras. Mas recuso-me a inventar novas: as que existem já devem dizer o que se consegue dizer e o que é proibido. E o que é proibido eu adivinho. Se houver força. Atrás do pensamento não há palavras: é-se. Minha pintura não tem palavras: fica atrás do pensamento. Nesse terreno do é-se sou puro êxtase cristalino. É-se. Sou-me. Tu te és.
E sou assombrada pelos meus fantasmas, pelo que é mítico, fantástico e gigantesco: a vida é sobrenatural. E caminho segurando um guarda-chuva aberto sobre corda tensa. Caminho até o limite do meu sonho grande. Vejo a fúria dos impulsos viscerais: vísceras torturadas me guiam.
[...]
Minha essência é inconsciente de si própria e é por isso que cegamente me obedeço.Estou sendo antimelódica. Comprazo-me com a harmonia difícil dos ásperos contrários. Para onde vou? e a resposta é: vou.Quando eu morrer então nunca terei nascido e vivido: a morte apaga os traços de espuma do mar na praia.Agora é um instante. Já é outro agora.
Movo-me dentro de meus instintos fundos que se cumprem às cegas. Sinto então que estou nas proximidades de fontes, lagoas e cachoeiras, todas de águas abundantes. E eu livre.Ouve-me, ouve o meu silêncio. O que falo nunca é o que falo e sim outra coisa. Quando digo "águas abundantes" estou falando da força de corpo nas águas do mundo. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma não posso. Lê a energia que está no meu silêncio. Ah tenho medo do Deus e do seu silêncio.Sou-me.
Tenho certo medo de mim, não sou de confiança e desconfio do meu falso poder.
Eu, que vivo de lado, sou à esquerda de quem entra. E estremece em mim o mundo.

Estou de olhos fechados. Sou pura inconsciência. Já cortaram o cordão umbilical: estou solta no universo. Não penso mas sinto o "it". Com olhos fechados procuro cegamento e o peito: quero leite grosso. Ninguem me ensinou a querer. Mas eu já quero. Fico deitada com olhos abertos a ver o teto. Por dentro é a obscuridade. Um eu que pulsa já se forma. Há girassóis. Há trigo alto. Eu é."

Clarice Lispector

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Samba-Canção*

eu fiz tudo pra você gostar,
fui mulher vulgar,
meia-bruxa,
meia-fera,
risinho modernista arranhando na garganta,
malandra,
bicha,
bem viada,
vândala,
talvez maquiavélica,
e um dia emburrei-me...

Ana Cristina Cesar

Os Sobreviventes - Morangos Mofados

"...um dia de monja, um dia de puta, um dia de Joplin, uma dia de Teresa de Calcutá, um dia de merda..."

Os Sobreviventes - Morangos Mofados

"eu só queria era ser feliz, cara, gorda, burra, alienada e completamente feliz"

Caio F.

Os Sobreviventes - Morangos Mofados

"...te desejo uma fé enorme, em qualquer coisa, não importa o quê, como aquela fé que a gente teve um dia, me deseja tam­bém uma coisa bem bonita, uma coisa qualquer maravi­lhosa, que me faça acreditar em tudo de novo, que nos faça acreditar em tudo outra vez, que leve para longe da minha boca este gosto podre de fracasso, este travo de derrota sem nobreza, não tem jeito, companheiro, nos perdemos no meio da estrada e nunca tivemos mapa algum, ninguém dá mais carona e a noite já vem chegan­do."
Caio F.

Digitais*

"Me dói essa lembrança das suas mãos em minhas costas..."
Isabella Taviani

Divã

"…Se não era amor, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não se sabe se vai ser antes ou depois de se chocar contra o solo. Eu bati a 200 km por hora e estou voltando à pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo [...]. Talvez este seja o ponto. Talvez eu não seja adulta o suficiente para brincar tão longe do meu patio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, de acreditar em contos de fada, de achar que a gente muda o que sente e que bastaria apertar um botão que as luzes apagariam e eu voltaria a minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência? Eu não amei aquele cara. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte.
Não era amor, era uma travessura. Não era amor, eram dois travesseiros. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo.
Não era amor, era melhor”

Martha Medeiros, in: Divã

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

A Mulher de Cada Porto

"Quem me dera amarrar meu amor quase um mês
Mas escuta o que dizem as pedras do cais
Se eu deixasse juntar de uma vez meus amores num porto
Transbordava a baía com todas as forças navais
Minha vida, querido, não é nenhum mar de rosas
Volta não, segue em paz..."

Chico Buarque